Novas tecnologias exigem novos conteúdos
Para Ana Teresa Ralston, da Abril Educação, desafio do mercado editorial é criar livro didático 100% multimídia
Nathalia Goulart
(Foto: Dan Kitwood/Getty Images)
O mercado editorial e as empresas de sistemas de ensino começam a se
preparar para uma nova realidade: a do livro didático digital. Com
dispositivos como laptops, e-books e iPads, um novo cenário se apresenta
para a educação. E também novos desafios. “Novas tecnologias requerem
novos conteúdos”, diz Ana Teresa Ralston, diretora da tecnologia de
educação e formação de professores da Abril Educação - grupo que reúne
editoras e sistemas de ensino e é controlado pela família Civita, que
também é dona da editora Abril, que publica VEJA. Convidada a falar
sobre o tema em um painel especial da Bienal Internacional do Livro de
São Paulo, que se encerra neste domingo, a especialista, diz que ainda é
preciso investir tempo e recursos para criar um livro didático 100%
digital e multimídia. Confirma a seguir os principais trechos da
entrevista.
O futuro do livro é incerto, mas o processo de digitalização já
começou, com os e-books, iPads e outros dispositivos. Em relação às
obras didáticas, o que é possível constatar?
É possível dizer que temos uma revolução escondida. Uma revolução que
já começou, mas que escapa à nossa observação porque acontece no
processo de produção do livro didático. Ao produzi-lo, já utilizamos
todos os artefatos tecnológicos disponíveis. Porém, o que se analisa
agora é quando isso estará presente na versão final do livro, ou seja,
quando ele será completamente multimídia e virtual. Muitos estudiosos
apontam que a educação levará mais tempo do que outras áreas para
incorporar todas essas inovações.
Qual a razão dessa demora?
No meio educacional, as tecnologias demoraram mais a serem
incorporadas, em virtude das mudanças que elas imprimem nos padrões, na
formação dos educadores, na produção do material de apoio e na
infraestrutura das escolas. Novas tecnologias requerem novos conteúdos,
e, para isso, é preciso profissionais capacitados, preparados para
produzir esse novos conteúdos. Além disso, o professor que irá usar
essas ferramentas também precisa ser formado para a essa tarefa
.
Então, o que ocorre nesse processo não é a simples digitalização do conteúdo impresso, mas, sim, a criação de novos conteúdos.
É importante lembrar que, quando falamos desse processo, abordamos três
elementos distintos: o livro didático impresso, o livro didático
impresso digitalizado - e isso já fazemos - e o livro 100% virtual.
Nesse último, o que ocorre não é a simples transferência do impresso
para o digital. É uma outra comunicação, que acontece em outra mídias. E
acho que esse é o grande desafio: a maneira como organizamos os
conteúdos na mídia impressa é diferente da maneira como o fazemos na
mídia digital.
Esse novo tipo de conteúdo, mais familiar aos alunos que já
utilizam as tecnologias fora da sala de aula, pode alimentar o interesse
dos estudantes pelo que se ensina nas escolas?
Quando trabalhamos com soluções digitais, procuramos entrar em
sintonia com a linguagem do aluno. Mas essas soluções precisam ser
utilizadas com orientação pedagógica para que sejam significativas. Caso
contrário, viram só distração.
Como evitar que o livro didático digital seja uma armadilha?
Eu costumo dizer que o meio digital evidencia uma aula mal
dada. Às vezes, temos uma aula que não foi a ideal, mas não há registros
dela. Já com a tecnologia digital tudo fica registrado. Então, é
preciso usá-la para enfatizar boas práticas, para ilustrar situações que
não seriam possíveis de outra forma. A tecnologia é um recurso
poderoso, viável e possível e não deve ser usado como enfeite. Para
isso, é importante pensar quais recursos são relevantes para esse novo
ambiente. Caso contrário, retira-se essa relação afetiva que temos com o
papel e com a leitura sem adicionar nenhum ganho.
Quais podem ser os ganhos da adoção da tecnologia na educação?
São as possibilidades de interação, de animação, de ilustração, de
relacionar os conteúdos e fazer pesquisas. Em disciplinas como química,
física e biologia, por exemplo, é possível simular situações. O
professor pode ainda trabalhar infográficos de tempos históricos e
evoluções geológicas. Pode trabalhar com pesquisas imediatas dos
assuntos que estão sendo trabalhados naquele momento. É possível
estimular o aluno para a possibilidade de troca, de colaboração, de
construção do conteúdo em conjunto. Esse tipo de habilidade e
competência é uma demanda do mercado de trabalho. E se o aluno começar a
vivenciar isso no mundo da escola, ele vai poder ter essa habilidade
como algo natural no mundo do trabalho.
Quais as dificuldades envolvidas na criação de um livro didático multimídia?
Precisamos conceber um produto diferente, não apenas digitalizar o que
já existe. Além disso, precisamos viabilizar o acesso a todas as escolas
brasileiras, nos mais remotos lugares. Aí, temos o desafio da entrega –
e também da produção. Hoje, apenas começamos a trabalhar com alguns
componentes agregados, ou seja, a pensar conteúdos de forma integrada.
As empresas de sistemas de ensino já estão se preparando para essa nova realidade?
Já. A digitalização de livros e apostilas já existe. O que começamos a
fazer agora é desenvolver o material integrado: o meio impresso e o meio
digital. O esforço é na produção de conteúdos virtuais, cada vez mais
relevantes, integrados e efetivos. Ainda não pensamos em um produto 100%
digital porque pensamos antes no material impresso, e depois partimos
para o virtual. Acredito que pensar a totalidade do produto no ambiente
virtual seja o nosso próximo passo.
Alguns especialistas pregam o fim do livro tal como nós o
conhecemos, enquanto outros defendem que, apesar dos avanços
tecnológicos, ele jamais deixará de existir. Quais são suas previsões?
Acho que ainda é cedo para previsões. Contudo, é hora de pensar nas
evoluções da integração das mídias e se preparar para elas.
Particularmente, não acredito que teremos uma mídia só. Aposto em uma
segmentação. Nós pensaremos sobre qual a melhor forma de transmitir cada
conteúdo. Ainda temos gerações que possuem uma relação muito próxima
com o livro e alguns conteúdos seguirão sendo consumidos na mídia
impressa. O que talvez tenha mudado é que hoje avaliamos o conteúdo
antes de consumi-lo. Então, baixamos um livro no Kindle, por exemplo, e,
se gostamos da leitura, compramos a versão impressa.
Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/novas-tecnologias-exigem-novos-conteudos